segunda-feira, 5 de março de 2012

A SAGA DE EDEN

INTRODUÇÃO

A Saga de Eden é fundamentada no meu livro com o título homônimo, em fase de correção, não editado, sendo que foi resumida a primeira parte com o objetivo de adaptar o texto para esse artigo.
Seria hipocrisia da minha parte não admitir a sua divulgação, mas a premissa é utilizar dois clássicos da política do mundo moderno: Thomas Hobbes e John Locke.
A intenção é através de suas idéias, tão modernista que até hoje na segunda década do século XXI os intelectuais as utilizam para justificar os momentos sociais, dar ênfase ao deslanchar da história.
Não podemos esquecer-nos de Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtù, meu favorito.
A Saga de Eden, é uma narrativa onde um garoto em um determinado momento está inoculo, ou seja, protegido e, em outro, como uma virada da moeda, tem que proteger.
Na narrativa diferente do original foram subtraídos alguns nomes, pois a intenção foi dar ênfase a Avó de Eden, mesmo sendo ele protagonista é ela a mentora de toda a trama.
(palavras chave: premissa, clássicos, política, intelectuais, virtù)

A imigração

Com o fim da escravidão e a concentração de mão de obra nas cidades, o Brasil tinha que importar trabalhadores para cuidar do café. Portanto o país cedera às pressões inglesas e interrompera a corrente migratória africana que abastecera de mão de obra escrava, a escravidão estava com os dias contatos. Para a economia brasileira isso era um desafio. Os grandes proprietários do sudeste do Brasil plantavam café o obtinham muito lucro. Era esse lucro que ajudava a balança comercial a manter-se equilibrada. Assim, era fundamental que a mão de obra escrava fosse substituída com o mínimo de gastos.
Sendo imperativo que os fazendeiros encontrassem uma maneira de manter suas plantações produtivas num sistema que mesclasse a colonização feita pelo estado, sendo que desde a primeira metade do século XIX, o governo vinha dando terras no sul do país para imigrantes, portanto origina daí a grande colonização italiana e, em segundo plano e não menos importante, a alemã para aquela parte do Brasil.
Na prática, o que se começou a fazer foi chamado de “contrato para introdução de imigrantes”, realizado entre o governo e sociedades comerciais particulares.
O governo vendia licenças aos fazendeiros e assim eles tinham autorização para trazer trabalhadores de outros países de navio. O governo insistia que os fazendeiros deveriam deixar claro para seus trabalhadores qual sua obrigação e que o governo brasileiro nada tinha a ver com tal viagem e que, por isso, os imigrantes nada deveriam esperar dos órgãos governamentais.
Posteriormente foram criadas leis aperfeiçoando o sistema. Os imigrantes teriam direito a estadia gratuita de oito dias na “Hospedaria dos Imigrantes” e transporte gratuito em todas as estradas de ferros e navios, até que estivessem definitivamente instalados em seus empregos.
A imigração era um bom negócio para todo mundo, menos para os imigrantes.
O fazendeiro recebia uma mão-de-obra baratíssima, quase sem direitos, sempre a disposição e que, através de cláusulas contratuais ardilosas, ficava ligada à fazenda num regime de semi-escravidão. Sucedia-se que os agentes de imigração na deixavam claro ao recrutar camponeses nos campos italianos, os contratos rezavam que, uma vez em solo brasileiro, e uma vez instalados e trabalhando nas fazendas, os imigrantes deveriam “pagar” ao fazendeiro, por todas as despesas que ele tivera ao trazê-los: passagens, estadia, documentação. Até a comida e, as roupas e os objetos de trabalho dos italianos nas lavouras paulistas, pás, enxadas, peneiras, machados, etc., vinhas das “vendinhas” das próprias fazendas. Ou seja, o trabalhador estava sempre, e cada vez mais endividado, nesse caso devendo exclusivamente para o dono da fazenda.
O estado também ganhava com a imigração. Além do ganho óbvio, ou seja, da manutenção das lavouras, que geravam lucro para o governo através de impostos, ainda havia as licenças e taxas pagas pelos fazendeiros por cada um dos imigrantes.

De acordo com a pesquisadora Valéria Dias, da Agência USP “na cidade de São Paulo, em 1920, existiam 33 etnias de estrangeiros, os espanhóis representavam o terceiro contingente populacional, muito próximo do número de portugueses, que ocupavam o segundo lugar. Os imigrantes italianos ocupavam a primeira colocação”

Em nome do pai

O pai, filho de imigrantes italianos, terceiro filho, depois de duas irmãs mais velhas, mais um irmão e uma irmã, num total de cinco. A nona, separada do marido e não aquentando a exploração do campo, juntou sua prole e fugiu para a cidade grande, indo morar em um “cortiço” (habitação coletiva das classes mais pobres) num bairro tipicamente itálico. Sendo o bambino, que muito cedo aprendeu na bebida alcoólica a fuga para espantar a fome, ao chegar à cidade desmaiou entorpecido de fome, de medo e de ansiedade, sensações esquecidas momentaneamente ao ficar contemplando, com seus olhos extremamente azuis, a altura dos prédios. Menino com os seus quase 14 anos e ainda na lembrança, que ele e seus irmãos deixaram para traz, o cabo da enxada e a caderneta de dívidas.
Já sabia ler, pois tinha estudado até o terceiro ano primário, sendo suficiente para arrumar um emprego de ajudante em uma oficina de pintura de carro, profissão esta que exerceu até o fim da vida.

Em nome da mãe

A mãe, filha temporão, pois quando nasceu o irmão mais próximo tinha 15 anos,
sendo que aos dois meses de vida sua genitora faleceu. A família de descendência italiana e para escapar das fazendas agrícolas aprenderam a arte de olaria. A fabricação de tijolos requeria tempo integral onde toda a família participava e, não podendo cuidar da criança recém-nascida, entregaram-na para a madrinha.
A Madrinha era dona de uma hospedaria, sendo o seu maior lucro proveniente dos fazendeiros locais, onde ficavam os agentes de imigração para resolver contendas com os imigrantes, então ela “aceitava” crianças, sendo que os mais velhos cuidavam dos mais novos e da limpeza e manutenção da referida pousada. Muitas dessas crianças assim que podiam fugiam, mas aquela menina que com pouca idade e sem poder estudar, sendo responsável pela limpeza dos quartos e banheiros e a família raramente a vinham visitar, às vezes algum dos irmãos apareciam e prometiam que logo a levaria para casa, sendo esse seu grande sonho, desfeito pela madrinha.
Ela alertava que a vida na pensão era melhor, tinha o que comer, onde dormir, e que ela deveria agradecer por tudo que a madrinha tinha feito por ela, e assim foi chegando à adolescência.

O Encontro

Então houve um baile na casa da irmã da madrinha, que morava na cidade grande, próximo a área dos cortiços italianos e, pela primeira vez aquela moça teve permissão para ir a uma festa.
Lá, meio escondida e com vergonha das pessoas, logo virou fruto de gozação dos presentes. Aquele rapaz falador, influenciado pela bebida, tomou as dores da moça e essa atitude foi suficiente para que fosse tolerado que conversassem.
Logo o moço percebeu, com a conversa que tiveram o que estava ocorrendo com aquela jovem, pois se é alguma coisa que aprendeu com a vida era não ser jogral de ninguém. Porém a madrinha também entendeu e, logo de manhã do outro dia levou a moça embora para a pensão do interior.
O rapaz quando soube o que ocorrera rumou para o interior, mas quando apareceu na pensão foi expulso, então quando chegou a noite e com muita bebida na cabeça invadiu o local, pegou a jovem e a levou para a casa da nona que se responsabilizou pelos dois, fazendo que se cassassem, agora eles eram um homem e mulher, logo nasceu Eden.

Em nome do filho

A Nona logo percebeu que com aquele dois a criança não teria a menor chance, além das constantes brigas e falta de responsabilidade na tinham a menor vocação para assumirem o papel ali exposto, então ela praticamente adotou Eden.
Passaram-se quatro anos, o pai de Eden tinha comprado um terreno na divisa do município, construído uma casa rudimentar e se mudaram. Convém relatar que o lugar era encostado a uma chácara pertencente ao seu cunhado, casado com sua irmã mais velha. Porém não tinha energia elétrica, a água tinha que ser tirada de um poço, os meios de transporte era extremamente precário, além de ser um lugar longínquo para os padrões da época. Nesse tempo já tinha nascido um irmão, Lui e uma irmã, Sasinha.
A vida de Eden com a Nona era relativamente boa, além da educação religiosa, pois se era uma coisa que ela gostava era de ir à missa, três vezes por dia, de manhã, a tarde e a noite. Acreditava e se pegava na esperança que a única arma com o qual nenhum outro ser contava: a religião. Não exatamente aquilo que vem à nossa cabeça quando pensamos em religião, mas algo realmente abstrato: a idéia de acreditar que existe alguma coisa maior, além da vida. Eden, apesar da pouca idade era tão adestrado com relação a missa que, automaticamente, repetia todo o ritual dando esperança a Nona para uma, talvez, carreira religiosa.
Outra coisa era que ela lavava roupa para os moradores de um prédio próximo, sendo que Eden sempre a acompanhava nas buscas, entregas e negociações, arte última esta que o ajudaram a desenvolver raciocínio lógico matemático. Percebendo isso e quando estava com cinco anos, a Nona já o autorizava a executar a tarefa em questão, e levando vantagem devido o fato de que ninguém queria discutir com aquele menino, alem do respeito adquirido com a “clientela”.
“Graças à abundância da água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram as lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas bem longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los.” Trecho do livro “O Cortiço”, de Aluisio de Azevedo, escrito em 1890.
O pai de Eden uma vez por semana vinha visitar o filho, mas por falta de afinidade o que ele fazia era ler gibi (revista de história em quadrinhos) o tempo todo. Aquele garoto ficava a observá-lo, a maneira como deitava encostado em dois travesseiros, com as pernas cruzadas e os lábios mexendo fazendo um som como um sussurro. Então quando ia embora Eden pegava algum dos gibis que havia esquecido e o imitava como se também estivesse lendo.
A Nona, observadora que era ou talvez por pena, o fato é que conseguiu que uma moça, filha de uma freguesa, desse aulas particulares para Eden, em troca de desconto na lavada das roupas. Foi só ele aprender a juntar as letras dentro dos balões das falas dos personagens dos gibis que sua leitura se deslanchou, sendo motivo de espanto até pela menina que o estava ensinando.
Porém, diferente de seu pai, a sua mãe o visitava uma vez por mês, além das noticias de sofrimentos do marido impunha a família, sobretudo resultado do alcoolismo, que escutava quando estava falando com a Nona. Observava seus irmãos, Lui e Sasinha, bem mais magros que ele, conhecia o histórico de doença do irmão, principalmente que seu nascimento tinha sido complicado. Mas aquelas aparências...., isto o deixava indignado.

A Mudança

Foi próximo de completar sete anos, quando soube que seu pai abandonara sua mãe, grávida, e a Nona na sua infinita sabedoria teve uma conversa, inserida de uma série de observações, com Eden, com certeza a mais longa, preocupada com a situação que se apresentava, sabendo que, preparado ou não, sua genitora e seus irmãos precisavam dele.
E o levou até aquele lugar longínquo. A mãe de Eden a princípio ficou preocupada, pois seria mais um para se preocupar, mas após ser tranqüilizada pela Nona informando que apesar da pouca idade aquele garoto estava preparado para auxiliá-la e, faria o possível, para que toda semana a viesse visitar. Promessa essa cumprida até próximo de seu falecimento.
Naquela noite Eden como não pode ir à missa, ensinou aos seus irmãos todo o ritual e orações antes do jantar e ao dormir.
No dia seguinte, Lui o levou para rua para brincar, situação esta estranha, pois onde morava a Nona não permitia essa situação. Além do mais se é que pode ser chamado de rua um triozinho cheio de mato, onde o vizinho mais próximo estava a ½ Km de distância. Eis que aparecem dois garotos, agarram o Lui e num rápido movimento tira seu calção e começam a enconchá-lo. Comportas de revolta se abrem com um estampido em sua mente, ondas de sentimentos o atropelam e numa atitude inconsciente, pega metade de um tijolo bate na cabeça de um deles vindo a desmaiar sendo que o outro moleque saiu correndo. Pega Lui o coloca para dentro de casa, onde o mesmo informou que além dessa situação, era vítima de espancamentos rotineiros, nos seus olhos havia alguma coisa, como um náufrago que se ergue a tona para ser salvo.
No começo da noite vieram três soldados, o garoto que foi atingido era filho de um deles, o objetivo era prender o “homem” que tinha feito aquilo. Quando viram que era um menino, talvez com menos idade do que o garoto que tinha sido atacado titubearam, mesmo assim o levaram para a delegacia. Foi o primeiro contato que Eden teve com o Sargento Bezerra. Este ficou espantado com a habilidade que aquele menino soube se defender e o liberou, ou melhor, acompanho-o até sua residência onde constatou a situação difícil que sua família estava enfrentando, isto ajudou Eden nas vindouras, digamos, peripécias que veriam acontecer no futuro.
Naquela noite Eden entendeu se quisesse sobreviver numa situação diferente da que estava acostumado e, mais importante, sua família dependia dele, teria que haver uma radical transformação de todo o universo que conhecia tanto físico, moral e social em que ele vivia, e pela primeira vez não rezou.
Como na obra de Nicolau Maquiavel que identifica uma qualidade fundamental a qualquer príncipe: VIRTÙ (palavra italiana que para Maquiavel significa energia, decisão, capacidade, empenho, vontade dirigida para um objetivo – em latim vir=homem)
O fato em questão ficou marcado na região, logo a noticia se espalhou, e com ele o respeito tanto por parte de Lui, agora se sentia protegido pelo irmão mais velho como também pelos moleques da vizinhança.
A sobrevivência da família resumia no que a Nona trazia, com dificuldades, nos finais de semanas, das poucas frutas e da plantação de batata doce da chácara.
A chácara próxima de sua casa era do seu tio, lembra? Porisso seu pai comprou o terreno onde construiu a casinha que moravam. Pois é, lá trabalhava um senhor, alto, negro com o qual Eden fez amizade e também com um filho seu que era da mesma idade, Isaias.
Como teve que matricular o filho na escola aproveitou, com o consentimento da sua genitora, a inscrever Eden também. Conseqüentemente os dois garotos ficaram amigos.
Isaias tinha uma caixa de engraxate velha, e a usando como modelo, construíram uma nova, se tornando “sócios” começando com os sapatos da vizinhança.